As periferias de São Paulo sempre tiveram grandes redes de fortalecimento pela arte, cultura, projetos socioeducativos e de assistência social. Sempre o “nós por nós” foi algo que ajudou no desenvolvimento de cada bairro e de cada pessoa que ali vive, possibilitando acessos que outrora haviam sido negados. Durante a pandemia não foi diferente. A União de Núcleos e Associações dos Moradores de Heliópolis e Região (UNAS), por exemplo, criou um financiamento coletivo para ajudar famílias durante a pandemia da COVID-19.
Desde o primeiro caso de coronavírus monitorado no Brasil em 26 de fevereiro de 2020, foram feitas pesquisas sobre solidariedade e, a cada matéria publicada, os dados apontavam o crescimento desse tipo de ação entre os brasileiros. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNDA), a pandemia fez com que cerca de 13,7 % da população perdesse seus empregos ficando sem nenhuma fonte de renda. A partir do recorte de raça e gênero desses dados é possível entender que pessoas pretas e pobres foram as maiores atingidas por todas as consequências que a pandemia trouxe para a nossa realidade.
Entre as condições mais adversas que afetam a população preta e periférica devido às desigualdades sociais e raciais estão: a falta de saneamento básico, alimentação, condições precárias de trabalho e acesso à saúde. Pensando nisso, a Uneafro Brasil e o Instituto de Referência Negra Peregum criaram o projeto Agentes Populares de Saúde. Aliás, se você chegou até esse texto, já viu alguma movimentação do projeto por aí. Arrisco deixar minha concepção sobre a atuação do projeto aqui, sinto que ele retoma o que eu havia citado no primeiro parágrafo, o espírito de nós por nós. Neste momento 5 territórios periféricos são impactados pelo projeto em São Paulo.
Cada território tem sua singularidade. As vezes sinto que a periferia é tratada como um grande bloco único onde distribuir cesta básica tampa o grande buraco da desigualdade. Mas, na verdade, diversas questões atravessam as periferias e isso ficou latente em mim quando, em uma reunião de comunicação do projeto, foi pensada uma estratégia para um trabalho com carros de som. A ideia era criar uma abordagem intimista para cada região, trazendo a humanização desses corpos, dessas famílias e dessas realidades, indo em contrapartida às notícias que trazem números e trazendo unanimidade para histórias únicas e distintas.
O Projeto Agentes Populares de Saúde tem em sua linha de frente agentes que, além de atuarem nos territórios, também são moradoras e moradores deles. Isso propõe maior proximidade com a comunidade e me faz refletir sobre como o aquilombamento tem um pouco do que sentimos quando viajamos para uma cidade do interior, onde todo mundo se conhece e sabe que você é neta do “Seu Chico” e filho da “Dona Ana”. Isso nos humaniza e mostra como temos um exemplo aplicado, na prática, na história brasileira sobre o aquilombamento. É possível construir uma sociedade mais humana e justa e essa é a reconexão para conseguirmos atravessarmos confiantes as dificuldades da sociedade extremamente desigual que vivemos, ainda mais agora no período de pandemia. É isso que sinto o projeto fazer nas periferias de São Paulo: possibilitar uma comunicação horizontal com os nossos, suprir algumas demandas, sendo elas de saúde, alimentação, ou qualquer outra que caiba dentro das condições dele, somos o nosso próprio suporte, mas não podemos esquecer o que também são nossos direitos.
Amanda Porto, produtora, educomunicadora e jornalista por formação. Fundadora do coletivo, podcast e agência de conteúdo para mulheres negras siriricas.co, por meio do qual estuda, de forma autodidata, sobre sexualidade, saúde e empoderamento. Atua como produtora em projetos socioculturais, além de ser idealizadora do projeto EntreQuebradas, que visa promover o pertencimento e desenvolver o protagonismo de corpos periféricos em todos os espaços da cidade de São Paulo.